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Reportagem de Zero Hora aborda os saques dos depósitos judiciais e destaca papel da OAB/RS

20/04/2015 10:58h

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Matéria de capa publicada na edição deste domingo (19), no jornal Zero Hora, de Porto Alegre, aprofundou o tema o uso dos valores pelo Estado e enfatizou a ação da Ordem gaúcha no STF contra o instrumento.

Zero Hora

Como o governo do Estado se socorre com saques dos depósitos judiciais
Por Juliana Bublitz

Confira a matéria no site de Zero Hora, acessando aqui.

Veja o vídeo explicativo sobre os depósitos judiciais, acessando aqui.

Desde 2004, o que era para ser mecanismo de emergência virou prática comum. A conta já chega a R$ 8,3 bilhões e não tem data para ser quitada

Eles ganharam fama desde que a crise nas finanças estaduais se agravou. Primeiro, em situações de emergência. Depois, sistematicamente. Ano após ano, os depósitos judiciais passaram a ser usados para financiar o rombo nas contas públicas do Rio Grande do Sul.

Agora, assumem a forma de um “mal necessário”: um remédio tomado em doses excessivas, com efeitos colaterais sérios, do qual o Estado se tornou dependente. Sem alternativas diante de uma contabilidade combalida, o governo José Ivo Sartori cogita ampliar o uso do artifício, mesmo que, para isso, acabe se endividando ainda mais. Se fosse um paciente enfermo, estaria próximo da intoxicação.

A polêmica em torno dos depósitos não para por aí. Os recursos em questão não pertencem ao Tesouro estadual. São valores de terceiros, sob a guarda do Poder Judiciário. Em sua maioria, originam-se de pessoas e empresas que entram com ações na Justiça e esperam as sentenças. Sempre que se apropria dessas verbas, o governo toma emprestado dinheiro dos outros para tapar buracos no cofre.

O mecanismo começou a funcionar em 2004. Por 29 votos a 12, com aval do Tribunal de Justiça (TJ) e oposição da bancada do PT, foi aprovado na Assembleia Legislativa. Funcionou como uma boia salva-vidas, até hoje flutuando em mar revolto.

– Vivíamos uma situação dificílima. Não havia outra opção, tanto que não tivemos grande dificuldade para aprovar o projeto – recorda o ex-governador Germano Rigotto (PMDB).

Ação no supremo contesta lei do RS

Inicialmente, o Piratini foi autorizado a sacar até 70% do valor disponível. Em 2006, o teto foi ampliado para 85%. Os saques só tiveram trégua nos últimos anos do governo Yeda Crusius (PSDB) e nos dois primeiros de Tarso Genro (PT). A partir de 2013, a administração petista abandonou as resistências partidárias do passado e deu início a uma série de retiradas, que somaram 2,7 vezes mais do que os dois mandatos anteriores juntos.

O volume levou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a questionar a validade da legislação no Supremo Tribunal Federal (STF). A entidade reclama de não ter sido ouvida em 2013 e entende que a apropriação viola o direito de propriedade e põe em risco o cumprimento das sentenças – outro motivo de controvérsia.

– Estamos convictos de que teremos êxito. A ação recebeu parecer favorável da Advocacia-Geral da União e do Ministério Público Federal e deve ser julgada a qualquer momento – diz o presidente da OAB no Estado, Marcelo Bertoluci.

Enquanto isso, os saques continuam. Dos R$ 9,8 bilhões depositados em juízo, R$ 8,3 bilhões foram sugados pelo Estado nos últimos 11 anos e não devolvidos, incluindo R$ 640 milhões na era José Ivo Sartori (PMDB).

Sobre os empréstimos, o Tesouro já desembolsou R$ 2,9 bilhões em juros, e o custo vai aumentar em pelo menos mais R$ 1 bilhão até o fim de 2015 – mais do que Sartori poderá resgatar da conta para não afundar de vez.

Sartori avalia aumentar limite do saque

O secretário da Fazenda, Giovani Feltes, reconhece que seguir dilapidando os depósitos judiciais só vai aumentar as dívidas do Estado, mas argumenta não ter alternativa. Por conta disso, está em discussão a possibilidade de ampliar para 90% das reservas o limite de uso pelo Estado. A medida teria de passar novamente pela Assembleia.

O desembargador Túlio Martins, presidente do conselho de comunicação social do TJ, sustenta que, do ponto de vista de quem aguarda decisões nos tribunais, não haveria com o que se preocupar. Das 291,1 mil ações com depósitos judiciais, 71,29% envolvem valores de até R$ 500 mil. Como há saldo de R$ 1,5 bilhão na conta, seria possível honrar os compromissos.

– Para ampliar o limite dos saques seria importante fazer um novo estudo com os dados dos últimos 12 meses apenas para nos certificarmos de que não ficaria muito estreita a margem de garantia. Hoje, não vejo problemas – pondera Martins.

O presidente da OAB, Marcelo Bertoluci, não só discorda como levanta uma outra questão: o potencial de danos às finanças estaduais.

– É uma medida de aparente solução, mas é ilusória – resume ele.

Especialistas em finanças públicas como Darcy Carvalho dos Santos concordam com a visão da Ordem.

– O dinheiro fácil vem saindo caro. Se fosse usado em investimentos, ainda poderia ser positivo, só que acaba custeando a máquina. Vai tudo pelo ralo e só aprofunda a crise – avalia.

Professor de Administração Pública da Universidade de Brasília (UnB), o economista José Matias-Pereira classifica o expediente como “mero paliativo”.

– Usar esse dinheiro é o pior que pode acontecer, e a partir do momento em que o uso se torna excessivo, vira uma roleta russa. Quanto maior o teto, mais balas – diz o professor.

O governador Sartori tem diante de si uma escolha de Sofia. O dilema, por enquanto, está longe da solução.

Um pouco da história

- Até 2001, o dinheiro dos depósitos judiciais ficava retido em contas esparsas, em diferentes bancos.

- A correção do saldo era feita pela poupança, mas os valores retidos eram aplicados pelos bancos, que lucravam com a operação.

- A partir de 2001, com a aprovação da Lei Estadual nº 11.667, no governo Olívio Dutra (PT), foi instituído o Sistema de Gerenciamento Financeiro dos Depósitos Judiciais do RS.

- O Judiciário tornou-se responsável pelo sistema, que passou a ser gerido pelo Banrisul.

- Com isso, a diferença dos rendimentos (poupança e Selic), que antes ficava com os bancos, passou a alimentar o Fundo de Reaparelhamento do Poder Judiciário.

COMO FUNCIONA O SISTEMA

Desde 2004, o governo do RS é autorizado por lei a pegar emprestados os depósitos judiciais. Ou seja: passou a usar o dinheiro de terceiros para financiar seus déficits.

1) O sistema funciona como uma caixa d'água, alimentada por uma tubulação e ligada a duas torneiras.

2) Pela tubulação, entram os depósitos que, todos os dias, se acumulam no reservatório.

3) Sempre que precisa, o governo pode abrir um dos registros e usar até 85% do estoque, desde que pague juros sobre os saques (12,75% ao ano, equivalente a R$ 80 milhões mensais).

4) Os 15% restantes não podem ser retirados, para garantir que os valores das ações sigam escoando pela outra torneira (para pagar as sentenças).

Quanto o Judiciário ganha com o sistema

- Todo o mês, o Fundo de Reaparelhamento do Judiciário recebe a diferença entre os juros pagos pelo Estado e a correção dos depósitos pela poupança.

- Isso equivale a mais de R$ 40 milhões mensais. Desde 2004, o valor chegou a R$ 1,5 bilhão.

- O dinheiro vem sendo usado para melhorar a estrutura do Judiciário, com novos prédios e equipamentos e para pagar advogados dativos (desginados para defender réus onde não há defensores públicos).

- O mecanismo é questionado pelo Supremo Tribunal Federal.

Secretário de Tarso defende mecanismo

O governo Tarso Genro (PT) foi o campeão em saques nas contas dos depósitos judiciais. Entre 2013 e 2014, resgatou R$ 5,6 bilhões, cifra que até hoje não foi devolvida. Secretário da Fazenda na gestão petista, o economista Odir Tonollier não só defende o uso do recurso como rebate as críticas de adversários políticos e de entidades como a OAB.

Segundo Tonollier, o Estado não teria conseguido destinar mais de 12% da receita à saúde sem os depósitos. Ele ressalta que, até então, o percentual mínimo exigido pela Constituição para a área nunca havia sido atingido no Rio Grande do Sul:

– Os depósitos judiciais cumprem um papel importante desde o governo Rigotto. No nosso caso, por que deixaríamos o dinheiro parado se o Estado sequer cumpria as exigências em relação à saúde? Não faz sentido.

Tonollier diz que os depósitos também ajudaram a aumentar os pagamentos de precatórios e requisições de pequeno valor (RPVs) em R$ 3,2 bilhões. Ele discorda de que a decisão de usá-los até o limite permitido por lei tenha contribuído para deteriorar as finanças estaduais, deixando os sucessores sem alternativas.

– A afirmação de que todas as fontes (de receita) se esgotaram não pode ser aceita. Se tivéssemos sido eleitos, encontraríamos saídas – afirma.

Quanto ao peso do juro, o economista sustenta que a maior parte é revertida ao Poder Judiciário para investimentos que, em última instância, beneficiam o cidadão. Além disso, Tonollier argumenta que, se não houvesse esse repasse, o Tesouro acabaria arcando com os custos da Justiça do mesmo jeito.

– Os depósitos foram um achado. É dinheiro barato para o Estado – conclui.

Rigotto pagou os servidores

Assim que a medida foi aprovada, o governador Germano Rigotto (PMDB) fez saques para honrar a folha de pagamento dos servidores. O drama persistiu durante todo o mandato.

– Chegamos à conclusão de que recorrer aos depósitos seria uma alternativa segura e econômica para o Estado. Usamos esse recurso com responsabilidade – afirma Alberto Oliveira, chefe da Casa Civil à época.

Rigotto não gosta de lembrar do período e se sente injustiçado. Diz que fez o possível para cortar despesas, que enfrentou as duas piores secas da história e que foi um dos primeiros a buscar a renegociação da dívida com a União.

– Não posso ser responsabilizado pelo endividamento do Estado – afirma o ex-governador.

Yeda evitou retiradas

A ex-governadora Yeda Crusius (PSDB) foi a que menos utilizou os depósitos. Os saques ocorreram no início do governo.

– Nosso objetivo sempre foi chegar ao déficit zero, gastar apenas o que arrecadávamos. Em dois anos, atingimos a meta, mas, até lá, tivemos de usar o que havia disponível – diz ela.

Yeda deixou R$ 615 milhões em saques não devolvidos. Secretário do Planejamento à época, Mateus Bandeira lembra que havia a convicção de que o paliativo deveria deixar de ser utilizado por “mascarar o déficit”. A partir daí, os depósitos se acumularam.

– Foi por isso que esses recursos cresceram tanto, até serem sacados pelo governo seguinte – diz Aod Cunha, ex-secretário estadual da Fazenda.

ENTREVISTA

"O Estado está intoxicado pelos depósitos judiciais", diz secretário da Fazenda, Giovani Feltes

Desde que assumiu em janeiro, titular da pasta que controla as finanças do Estado já sacou R$ 640 milhões do fundo

Durante o governo Tarso Genro (PT), o então deputado estadual Giovani Feltes (PMDB) foi um dos mais ferrenhos críticos do uso dos depósitos judiciais. Ao assumir a Secretaria da Fazenda, em janeiro, acabou seguindo a mesma receita – que outrora também fora criticada pelos petistas. Até agora, sacou R$ 640 milhões. Isso ocorreu, segundo ele, devido ao excesso de gastos dos antecessores e da falta de alternativas para fazer diante da crise financeira. O dinheiro foi usado para pagar uma parcela da dívida com a União e honrar a folha do funcionalismo.

O PMDB sempre criticou o ex-governador Tarso Genro pelo uso dos depósitos. Não é um contrassenso?

Não gostaríamos de usar deste expediente para poder pagar as contas, mas não nos restou alternativa. O problema é que houve aumento excessivo de gastos, e os depósitos foram usados para cobrir esse exagero. Essa era a crítica que se fazia. O governo Yeda deixou um estoque, uma espécie de cheque especial para situações de emergência. Só que o uso que se deu a esse cheque acabou levando a uma realidade ainda pior.

Em que sentido?

Os depósitos não foram utilizados para resolver problemas estruturais, mas para empurrar os problemas com a barriga. O resultado é que hoje o Estado está dependente deles e, ao mesmo tempo, intoxicado por eles. É ruim usar? Sim, mas é um mal menor diante do problema que se criou.

O governo pretende levar adiante a proposta de ampliar o limite de uso para 90%?

É muito provável. Mesmo achando que não é o mais adequado, o fato é que não temos saída. Aumentar o teto em 5% significa por volta de R$ 500 milhões a mais por ano. Meu déficit mensal é de cerca de R$ 450 milhões. Isso me resolveria um mês.

Mas, este ano, o peso do juro será maior do que o dinheiro disponível. Vale a pena?

Não é nem questão de valer a pena. É que, mesmo se eu não sacar, o Estado vai continuar pagando juro. Os juros recaem sobre o todo, sobre os R$ 8,3 bilhões já sacados. Mesmo se eu não fizer nada, no fim do ano vou ter de pagar R$ 1 bilhão.

Se o limite for ampliado para 90%, pode faltar dinheiro para o pagamento de sentenças?

É muito difícil isso acontecer. Estatisticamente, o risco é zero. O ingresso de recursos é sempre maior do que as saídas, que representam uma média de R$ 20 milhões por dia. Isso equivale a menos de 1,5% do fundo de reserva, que hoje tem R$ 1,5 bilhão.

20/04/2015 10:58h



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